domingo, setembro 25, 2005

O problema de ensinar o passado...


Letizia Russo não quis ir para a universidade com medo que lhe acontecesse o mesmo que aos amigos, «que entraram com cérebros magníficos e saíram já sem acreditar na sua própria inteligência, desiludidos e a renunciar às suas aspirações para ter uma vida mais normal, mais segura, sem riscos muito grandes. Esmagados pelo peso de todos os que já fizeram algo antes de nós.»


In Actual, Expresso nº 1717, 24.IX.2005

The brain business

Não gosto particularmente do The Economist, mas descobri que no seu número de 8 de Setembro saiu um dossier sobre a educação superior que vale a pena ler. A introdução ao dossier tem o sugestivo título "How Europe fails its young". Achei instrutivo ler uma visão desapaixonada e crítica do ensino superior europeu, e dar por mim a concordar com muita coisa. Até o mantra do Economist, "desregulação e competição", que costumam aplicar de uma forma muito selectiva às economias dos outros, me parece neste contexto fazer sentido.



Um dos principais entraves ao salto qualitativo que as universidades precisam de dar passa pela pesada intervenção estatal. Numa célebre reunião de que já falei dizia-se que os problemas financeiros eram graves, mas que não iriam afectar o pessoal de carreira. Já quanto aos convidados, leitores, e outros contratados... Houve murmúrios de compreensão (e de alívio!) na sala, mas eu fiquei a pensar que não se falou de qualidade. Eu, que sou de carreira, estou assegurado. O outro, que é convidado, vai para a rua. Mas, e se ele for mais competente do que eu? E se a universidade precisar mais dele do que de mim?

Não é certamente continuando a manter os professores universitários como funcionários públicos que cumpriremos a Estratégia de Lisboa.

terça-feira, setembro 20, 2005

Declaração de Glasgow


Há uma institutuição chamada EUA (European University Association) que fez uma reunião em Glasgow em Abril de 2005, tendo aprovado uma declaração que depois apresentou na reunião do Processo de Bolonha em Bergen. Dessa declaração ressalvo, no que diz respeito a Bolonha,
  • as universidades compromentem-se a redobrar os seus esforços para introduzir métodos de ensino inovadores, reorientar os seus curricula em diálogo com os empregadores, e aceitar o desafio da educação académica e profissional, aprendizagem ao longo da vida e reconhecimento da aprendizagem anterior;
  • as universidades compromentem-se a aumentar os seus esforços para promover uma aprendizagem centrada no aluno, implementar o ECTS e assegurar a adopção flexível da modularidade.
Vale a pena ler o resto, claro. Estas vinham só a talho de foice...

segunda-feira, setembro 19, 2005

Obrigado, JVC

Já só me apetece subir pelas paredes quando vem à baila o processo de Bolonha e as pessoas começam a regredir para a aritmética do jardim de infância: "3+2?" "4+1!" "4+2 e pronto." "E se 3+1?"

E o resto?? pergunto eu. Ou perguntava. Agora o Prof. João V. Costa já explicou. O processo de Bolonha é acerca de
  1. Formação de banda larga. Esqueçam de vez a Biologia disto e daquilo, ou as Bio-coisas. Pelo menos no primeiro ciclo.
  2. Primado das competências. Ao contrário do que me diziam há dias numa reunião de alto nível, os professores NÃO têm uma noção intuitiva das competências a desenvolver. Ou cada um tem a sua, o que é pior.
  3. Primado da aprendizagem. Pois, colega, ensino e aprendizagem são duas coisas diferentes. E o nosso método de "dar" aulas ja passou à história. Ah, não sabia?...
  4. Novos públicos. Aqueles velhinhos no Centro de Informática fazem parte do nosso futuro. É verdade, sim!... Vamos dar aulas a pessoas que não vão fazer investigação. Nem querem! Ao que isto chegou...
Podemos ir agora ao que interessa?

Vão ler?

Ok, eu espero...

quinta-feira, setembro 15, 2005

Qualidade

O futuro da Universidade dos Açores passa por uma aposta clara na qualidade. Acho que é essencial toda a gente meter isto na cabeça, e quanto mais depressa melhor- já vamos tarde!



Mas o que é a qualidade? Ter muitos laboratórios, bem equipados? Ter muitos professores com doutoramento? Ter salas de aula com projectores de video e wi-fi? Residenciais para os estudantes? Pois,... não!

Qualidade, neste contexto, tem uma definição muito mais prosaica mas muito mais operacional: é simplesmente "conformação com as especificações". Ou seja, para termos um ensino de qualidade, temos que dizer o que queremos fazer, e depois fazer o que dissémos.

Simples? Talvez, mas o certo é que, por esta bitola, o nosso ensino não tem qualidade nenhuma. Pois se nunca definimos o que vamos fazer!... Temos os cursos criados, claro, e muitos deles até têm objectivos. Mas há uma outra componente da qualidade, que é "adequação para o uso". E aí estamos a falhar em toda a linha. Nenhum dos nossos cursos (corrigam-me se eu estiver errado) está estruturado em função das competências a atingir. Como avaliar então a sua adequação para o uso?

O que os nossos cursos têm são planos de estudo, listas de disciplinas: Biologia Celular, Matemática, Química Geral. Para que servem? Como se estruturam uns em relação aos outros? Qual a sua relevância para a empregabilidade? Não está escrito em lado nenhum. E se não há especificações, não há qualidade.

terça-feira, setembro 13, 2005

Avaliação

Num ensino baseado no aluno e em que existe uma série de competências que se pretende que os alunos atingam, é fundamental fazer no início das aulas uma avaliação da situação de cada aluno relativamente a essas competências.



Ainda antes de fazer uma ideia do que eram competências eu já tinha sentido esta necessidade, e cheguei a fazer no início do ano testes-diagnóstico, em que cobria toda a matéria a leccionar. A reacção dos alunos foi positiva, mas não passei da fase de dar uma olhadela pelos testes. Em parte isto deveu-se ao facto de ter 3 disciplinas diferentes e turmas relativamente grandes. Mas também não estava à espera que os alunos soubessem alguma coisa e, tendo "confirmado" isso, prossegui o semestre como planeado.Também não cumpri o plano inicial de voltar a fazer um teste semelhante no final do semestre. A desculpa foi a falta de tempo, atenuada agora pela desculpa de que a própria avaliação da disciplina serviria de comparação.

Houve portanto aqui dois problemas. O primeiro foi o de não ter um objectivo muito bem definido para a avaliação, nem a ter integrado na planificação da disciplina. O segundo foi ter efectuado uma avaliação que ocupava muito tempo para analisar, o que me ajudou a que a análise não fosse feita.

Há também um outro factor, mais geral: a minha atitude negativa para com a avaliação. Encarava a avaliação sempre na perspectiva da punição: "Agora é que vamos ver o que sabes...!" E essa perspectiva estendia-se a todos os níveis da avaliação: a avaliação das Universidades era uma forma de o governo castigar as unversidades que não se portavam bem. E, claro, levantava suspeitas qualquer conversa sobre avaliação dos professores: "O que é que estes querem?..."

Este ano gostava de mudar isto, e portanto estou a ler "Classroom Assessment Techniques". É um livro que assusta, inicialmente: grande formato e mais de 400 páginas! Mas tem uma linha condutora clara, que se distingue com facilidade dos exemplos e casos de estudos que são usados para ilustração. E, para além da parte prática das técnicas de avaliação mais adequadas para os diversos objectivos, tem uma parte inicial muito valiosa em que a avaliação é contextualizada como essencial no processo de aprendizagem, tanto para o professor como para o aluno.

Não se trata aqui da avaliação dita sumativa: trata-se de fornecer aos professores ferramentas que podem utilizar nas várias etapas do processo de aprendizagem e em função dos seus objectivos. Percebe-se bem o conteúdo do livro a partir da descrição feita pelos autores dos pressupostos que levaram à respectiva redacção:

  1. Uma das melhores maneiras de melhorar a aprendizagem é melhorar o ensino.
  2. Os professores precisam primeiro de tornar explícitos os seus objectivos e depois de obter feedback sobre o grau em que os estão a atingir.
  3. Os estudantes precisam de receber um feedback imediato e completo, e de aprender modos de avaliar a sua própria aprendizagem.
  4. A avaliação que melhora o ensino e a aprendizagem é aquela que é conduzida pelos professores para responder a questões ou problemas da sua própria experiência.
  5. O inquérito sistemático e o desafio intelectual são forças poderosas de motivação e desenvolvimento para os professores.
  6. A avaliação eficaz não deve requerer treino especializado.
  7. Ao colaborar com colegas e envolver alunos no processo de avaliação, os professores melhoram a aprendizagem e ganham satisfação pessoal.
Sem preocupações de ser exaustivo, encontrei alguns sítios com boas informações sobre este tema. Um deles na Southern Illinois University-Edwardsville, e outro no Honolulu Community College. E ainda o Study Guide and Strategies, sobretudo focado no aluno e de onde é possível descarregar, por exemplo, um texto muito interessante sobre PBL.