domingo, agosto 27, 2006

I must get some... satisfaaaction

Os leitores atentos destas páginas (olá, Teresa! :-D ) já terão reparado na minha admiração pelo sistema universitário britânico. Hoje essa admiração subiu mais um ponto quando soube que o governo organiza anualmente uma National Student Satisfaction Survey.


Como o nome indica, trata-se de um inquérito que é feito a todos os estudantes do ensino superior. São 21 perguntas que avaliam numa escala de 5 pontos os professores (ensino, avaliação, organização, recursos de aprendizagem, desenvolvimento pessoal) e o curso. Os resultados são tornados públicos num site dedicado aos estudantes que pretendem ingressar no ensino superior, chamado TQi, Teaching Quality Information. Neste site são também apresentadas estatísticas sobre as qualificações de entrada, a progressão no curso e (pasme-se!) as carreiras que seguem os estudantes (tipo de emprego ou de curso de pós-graduação). O ranking (qual será a palavra portuguesa para isto?) da qualidade do ensino de 2006 é comentado aqui e resumido aqui.

Buckingham, a única universidade privada do Reino Unido, destronou este ano a Open University do primeiro lugar do ranking. Num comentário, um vice-reitor disse que a satisfação dos estudantes é devida, em parte, a terem uma relação professor-aluno de 1:9, quando a média do sector é de 1:17. Disse ele: “All our teaching is tutorial based. Our ethos is traditional teaching - the kind of teaching that used to be the norm in the sector 50 years ago. All our staff believe the prime purpose is to support the students. I don't think all universities have this. Some places are obsessed with the research assessment exercise and rankings." Teríamos alguma coisa a aprender aqui, sobretudo o facto de os rácios serem escolhidos pelas universidades e não impostos pelo Ministério.

As universidades que estão em baixo na classificação levam este exercício muito a sério, obviamente. E assim vão todas melhorando: na universidade pior classificada “apenas” 74% dos estudantes se mostraram satisfeitos com o curso. Qual seria essa percentagem nas nossas universidades?

sábado, agosto 26, 2006

Obrigado, Teresa

A generalidade das universidades portuguesas já adaptou ou prepara-se para adaptar os seus cursos a Bolonha. No entanto o processo só agora começa. O que é preciso agora é IMPLEMENTAR todas as implicações pedagógicas do novo paradigma. Algumas universidades estão a precupar-se com isso a nível central, organizando cursos e seminários. Muitos professores sentiram já (e os outros espero que sintam em breve) a necessidade de actualizar os seus métodos de ensino.

O sítio descoberto pela Prof. Teresa constitui um repositório de textos muito importantes neste contexto. Ser professor universitário foi construído por alguém que não consegui descobrir o nome mas que se deu ao trabalho de compilar e organizar centenas de textos que cobrem as áreas principais da actividade pedagógica neste grau de ensino. Um recurso inestimável, portanto.

Diz a página de entrada:

O Professor Universitário no Brasil, é um amador e não um profissional da Educação. Pois em nenhum momento de sua carreira lhe é exigido, ou mesmo facilitado, que adquira conhecimentos e habilidades de Pedagogia e Didática.

As políticas publicas e a legislação sempre enfatisaram como exigência para o acesso à carreira, o domínio e profundidade dos conhecimentos na área e matéria que irá ensinar.

Os poucos professores que adquirem essas habilidades e conhecimentos, o fazem somente por interesse e iniciativa própria, e assim mesmo tendo que ultrapassar barreiras institucionais até mesmo para reconhecer as qualificações obtidas.
O que vale é que é só no Brasil... :-)

sexta-feira, agosto 25, 2006

Formação e investigação

Tradicionalmente os cursos superiores estão virados para a investigação. As coisas estarão a mudar (e com Bolonha espera-se que sim), mas ainda há pouco tempo muitos cursos tinham apenas dois ramos: o pedagógico (de formação de professores para o ensino secundário) e o científico. A percepção geral era a de que os melhores alunos seguiam a carreira da investigação, os outros, se eram espertos, a pedagógica. Senão, havia sempre a profissionalização em exercício...


Actualmente, há um ênfase muito grande na investigação. A julgar pelos discursos dos políticos e pelas notícias nos jornais, a investigação vai salvar o país. A FCT apoia a criação de centros de investigação, financia projectos de investigação e uma multiplicidade de bolsas de mestrado e doutoramento. Há um programa de apoio à inserção de doutorados nas empresas, e uma agência de incentivo às actividades de I&D nas empresas.

Porém, nem tudo são rosas neste processo. Vou esquecer por hoje que a relação causa-efeito entre as actividades de investigação e o desenvolvimento económico não me parece muito segura. Vou inclusivamente esquecer que o modelo do desenvolvimento económico infinito é a causa da catástrofe ecológica em que estamos mergulhados. Vou esquecer também os dramas humanos da pirâmide do sucesso científico em que, por cada cada investigador de sucesso, existem muitos outros que são triturados pela máquina dos projectos e das publicações, carne para canhão da indústria científica, mantidos no processo com a miragem de uma posição mais estável num futuro que nunca chega.

Aquilo que quero registar hoje é a relação que vejo entre a formação universitária e a qualidade dos investigadores por ela produzidos. Correndo o risco de generalizar a partir de uma visão muito restrita, e de me basear em lugares-comuns que a realidade universitária já ultrapassou, parece-me que há muito a fazer nas nossas salas de aulas e nos nossos laboratórios se queremos formar investigadores de qualidade. Parece-me que o nosso ensino universitário está demasiado focado numa didática expositiva (o que já é mau) e virada para o passado. Solicita-se aos alunos que memorizem as resmas de factos vertidas nos livros de texto, e classificam-se melhor os alunos que melhor são capazes de os debitar. Transmite-se desta maneira uma idéia estática e fossilizada da ciência, limitando-se o desenvolvimento da capacidade de análise crítica e da visão da realidade científica actual. Os alunos deviam estudar as actas dos congressos, não os livros de texto!

Mais grave ainda é o facto de a pouca ciência que é transmitida estar descontextualizada. Quantos alunos dos cursos de Biotecnologia estão cientes do complexo cenário político, económico e social que rodeia os organismos transgénicos? Quantos sabem, de facto, que a questão de a soja transgénica poder ser prejudicial à saúde é irrelevante, comparada com os cenários de monopólio comercial por um pequeno grupo de empresas multinacionais, com gigantescas repercusões a nível social (perda de rendimento e de modo de vida de populações rurais) e ecológico? Quantos alunos de Engenharia Electrónica sabem do caos social e ecológico provocado no Congo pelas lutas pelo controlo do comércio da columbite-tantalite, um minério chave no fabrico de cada um dos nossos telemóveis? Quantos alunos e quantos professores reflectem sobre as condicionantes sociais da investigação científica? Quantos são capazes de distinguir ciência de tecnologia? Quantos leram Popper? E Ivan Illich? Questões de política e de filosofia da ciência deviam estar no centro de todos os curricula científicos. E os princípios do pensamento crítico (v. tb. na Wikipedia) deviam, mais do que ser estudados numa disciplina, estar subjacentes a todas as actividades universitárias. Textos como este, por exemplo, deviam ser discutidos logo nas primeiras aulas de um curso científico:


Intellectual Standards in Scientific Thinking

Clarity
Could you elaborate further on your hypothesis (or idea)?
Could you give me a more detailed explanation of the phenomenon you have in mind?

Accuracy
How could we check on those data?
How could we verify or test that theory?
Could you be more specific?
Could you give me more details on the phenomenon?
Could you be more exact as to how the mechanism takes place?

Precision
How do those data relate to the problem?
How do they bear on the question?

Relevance
What factors make this a difficult scientific problem?
What are some of the complexities we must consider?

Depth
Do we need to look at this from another perspective?
Do we need to consider another point of view?
Do we need to look at this in other ways?

Breadth
Are all the data consistent with each other?
Are these two theories consistent?
Is this implied by the data we have?

Logic
Is this the central idea to focus on?
Which set of data is most important?

Significance
Do I have a vested interest in this issue which keeps me from looking at it objectively?
Am I misrepresenting a view with which I disagree?