domingo, janeiro 21, 2007

A incerteza, que bem que sabe escondê-la...

Um dos principais problemas do ESQT (ensino-superior-que-temos), com o ênfase em organizar o conhecimento para os alunos e em debitá-lo em pedacinhos prontos a engolir, é a transmissão da ideia de que está tudo sabido, tudo controlado, tudo esclarecido. Sai-se da universidade convencido de que se sabe tudo, e aparentemente prontos para enfrentar o mundo. Por isso o primeiro embate com a realidade pode ser feio, seja em que área for. Na área científica é particularmente grave, porque formámos gerações inteiras de gente que acha que ciência é seguir os protocolos, ou fazer a mesma coisa que os outros fizeram mas noutro sítio, ou usando uma concentração diferente, ou uma máquina diferente.


Toda a gente assume que os cientistas sabem tudo, que aquilo que um especialista diz é que está correcto. Especialistas são chamados a tribunal, a dar entrevistas, a aconselhar governos. E lá vão eles, cavalgando nas suas certezas. Mas a luz da ciência pode ofuscar-nos, fazendo-nos esquecer o abismo da nossa ignorância.
O importante artigo Three words we should like to hear: 'I don't know' de Jack Stilgoe, investigador do think-tank Demos, relembrou-me a necessidade de ter a humildade de Newton:
"I do not know what I may appear to the world; but to myself I seem to have been only like a boy playing on the seashore, and diverting myself in now and then finding a smoother pebble or a prettier shell than ordinary, whilst the great ocean of truth lay all undiscovered before me." (Fonte)

Aumentar a consciência colectiva sobre a nossa ignorância tornaria certamente as pessoas mais cautelosas, facilitaria a aplicação do princípio da precaução, far-nos-ia mais humanos e produziria melhores cientistas.


Imagem: Jane McElvany Coonce, "Boy with the bucket", pastel.

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