sexta-feira, dezembro 26, 2008

A empregabilidade e a educação

Estou a ler com 13 anos de atraso Avertissement aux écoliers et lycéens, de Raoul Vaneigem, mas na versão portuguesa (Aviso aos alunos do básico e do secundário, Ed. Antígona).
"Não há criança nenhuma que entre numa escola sem se expor ao risco de perder-se; ou seja, de perder a vida exuberante, ávida de conhecimentos e surpresas que tão exaltante seria alimentar, em vez de a esterilizar e desesperar sob a canga do enfadonho trabalho do saber abstracto. Que terrível testemunho nestes olhos brilhantes, logo desbotados."
Nota-se que Vaneigem gosta da escola ("A escola detém a chave dos sonhos numa sociedade que os não tem") mas faz ao seu estado presente uma crítica arrasadora. Tocando todos os pontos certos, enquadra-se o modelo de sociedade presente na sua evolução histórica a partir da Revolução Industrial, quando a produção em massa acelerou o consumo dos recursos naturais e dividiu o mundo entre exploradores e explorados, até aos nossos dias, em que a liturgia do mercado está a encaminhar todo o planeta para o abismo. A escola surge como um instrumento de domínio e de manutenção da ordem capitalista.

Longe de (ou apesar de) ser um planfleto anarquista, este livro está bem fundamentado e mantém por isso a sua actualidade. Discordo de algumas coisas, como sejam a inclusão da família juntamente com a escola, a tropa, o hospital e a cadeia como instituições ao serviço da sociedade mercantil. Achei interessante ver o que me parece ser uma defesa de um neocapitalismo em que, através de um investimento ecológico, seria garantido um salário e um tempo de trabalho reduzido que deixaria tempo livre para a criação e o vagar. Por mim fico até preocupado com a perspectiva de um capitalismo esverdeado, um capitalismo melancia, verde por fora mas vermelho-sangue por dentro, com a mesma ganância do lucro a sobrepor-se a tudo o resto. Este capitalismo circundará certamente a actual crise energética e fará dinheiro com isso, de modo a garantir o status-quo e a manutenção da nossa marcha triunfante em direcção à hecatombe planetária.

De repente, a ideia do ensino para a empregabilidade já não me parece tão entusiasmante, sobretudo se cruzada com a chamada de atenção de Kieran Egan (v. entrada anterior) para a incompatibilidade entre um ensino virado para a compreensão do mundo e a realização pessoal e um ensino socialmente útil. Chegam-me aos ouvidos ecos das discussões do período de implementação de Bolonha, em que algumas vozes defensoras de ideais académicos se opunham veementemente ao que viam como a mercantilização do ensino. A Universidade vai ter que alinhar com um ou outro campo. Ou cada uma das universidades terá que o fazer por si. Isto, naturalmente, se fosse possível tornar esta instituição numa força de mudança em vez de uma correia de transmissão.



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