domingo, dezembro 21, 2008

Ferramentas cognitivas

Há livros que se lêem. Há livros que lêem várias vezes. E há livros que nos fazem ir buscar um lápis e sublinhar e dobrar os cantos das páginas e ir à net procurar saber mais.

Acabei de re-ler (sim, li duas vezes seguidas, sublinhando e anotando da segunda vez) "The future of education", de Kieran Egan, e confesso que fiquei entusiasmado. Muito do que lá está dito simplesmente "bate certo". A dissonância entre o ensino para a socialização (ou para a empregabilidade) e o ensino para a o saber, por exemplo, torna-se clara. E os argumentos para a incompatibilidade entre as duas funções do ensino são fortes (1). Que isso deixe em frangalhos toda a teorização sobre o ensino baseado em competências que constitui o actual paradigma do ensino superior é só mais uma angústia a acrescentar ao meu rol.
E a ideia das ferramentas cognitivas faz tanto sentido...
Para Egan, o papel da educação é permitir o desenvolvimento máximo da mente, entendida como um órgão cultural, onde as capacidades cerebrais e a cultura interagem. Citando Vygotsky, propõe que a educação deve maximizar o nosso conjunto de ferramentas cognitivas(2), cujo principal trabalho é produzir compreensão. Se o cérebro for comparado a um computador, essas ferramentas serão o respectivo sistema operativo, o qual pode ser actualizado de modo a ser dotado de funcionalidades que, partindo das pré-existentes, as completam e expandem, criando novas capacidades e novas possibilidades.
Os principais sistemas operativos da mente são descritos como vários tipos de compreensão:
  • Somática- os nossos sentidos dominantes (visão, audição, tacto, gosto e olfacto) condicionam e enriquecem a nossa percepção da realidade. A compreensão somática é maximizada pela estimulação e desenvolvimento dos sentidos, do humor e das emoções.
  • Mítica- relacionada com a linguagem, deve ser desenvolvida através do uso da "história" enquanto técnica que permite a interiorização contextualizada de factos, levando ao desenvolvimento da capacidade de reconhecer e usar metáforas ricas e variadas. Ver o suplemento ao livro Teaching as Story Telling.
  • Romântica, ligada à literacia (ver Egan & Gajdamaschko).
  • Filosófica, associada à adopção do pensamento geral, abstracto e teórico. As ferramentas associadas a este tipo de compreensão são a visão própria enquanto agentes dos processos históricos e sociais, a abertura para as anomalias, a capacidade de formar metanarrativas e a necessidade de alguma base de verdade e de autoridade.
  • Irónica a qual, na sua forma mais simples, consiste na em reconhecer a diferença entre o que se diz e o que se pretende dizer. A compreensão dos limites das palavras liga-se ao reconhecimento de que a nossa descrição de ideias, verdades ou factos é inadequada perante a verdadeira natureza desses fenómenos. A flexibilidade mental é uma consequência da aquisição deste conjunto de ferramentas.
Kieran Egan faz parte do Imaginative Education Research Group.



(1) ver Egan (2001), Why education is so difficult and contentious.
(2) Muito do livro "The Educated Mind" pode ser lido online no Google Books.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Plágio ou Inspiração

Nada do que fazemos é feito no vácuo. Ouvimos o que outros dizem, lemos o que outros escreveram, vemos o que os outros fazem... Pouco há, na nossa vida e nos nossos sentimentos, que não tenha já sido experimentado e sentido por milhares de outros seres humanos, noutros locais e noutros tempos. O amor, o desengano, o ódio, a tristeza, mesmo a saudade. Temas glosados à exaustão nessa epopeia universal, temas tão gastos que só a nossa ignorância (ou o nosso egoísmo) faz parecer novos.
Como distinguir, então, a inspiração do plágio? Talvez a comparação destes dois poemas sugira algumas pistas.










Le Dormeur du Val

Arthur Rimbaud
1870

C'est un trou de verdure où chante une rivière
Accrochant follement aux herbes des haillons
D'argent ; où le soleil, de la montagne fière,
Luit : c'est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue,
Et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
Dort ; il est étendu dans l'herbe sous la nue,
Pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
Sourirait un enfant malade, il fait un somme :
Nature, berce-le chaudement : il a froid.

Les parfums ne font pas frissonner sa narine ;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine
Tranquille. Il a deux trous rouges au côté droit.
O Menino da Sua Mãe

Fernando Pessoa
1926

No plaino abandonado
Que a morta brisa aquece,
De balas traspassado -
Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Post scriptum
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domingo, dezembro 07, 2008

Problemas do ensino à distância

O ensino à distância não é só rosas, como se pode ver neste artigo de Hara & King (2000), Students’ Distress with a Web-based Distance Education Course: An Ethnographic Study of Participants' Experiences.

Mas só se aprende com os erros...

Encontrei esta referência no site Technology and Webagogy, de Rick Ells. Vale a pena ir espreitar, porque tem lá mais pérolas, como esta.

Bibliografia sobre ensino participativo

Como apoio à 4th Annual National Conference Team-Based Learning in Medical & Health Sciences Education, com o tema Developing Strategies for Facilitating Interactive Classroom Discussion in TBL (Team-Based Learning), Derek R. Lane colocou online quatro excertos de livros didáticos muito interessantes:
  • Davis, B. G. (1993). Tools for teaching. (pp.63-91). San Francisco: Jossey-Bass.
  • Eble, K. E. (1988). The craft of teaching: A guide to mastering the professor’s art (2nd ed.). (pp. 83-97). San Francisco: Jossey-Bass.
  • McKeachie, W. J. (2002). Teaching tips: Strategies, research, and theory for college and university teachers. (pp. 30-51). Boston, MA: Houghton Mifflin.
  • Stanfield, B. (2000). The art of focused conversation: 100 ways to access group wisdom in the workplace. Gabriola Island, Canada: New Society Publishers.
Pode descarregá-los neste endereço.

A arte de fazer perguntas

A avaliação é um processo complexo que começa muito antes de os alunos começarem as aulas. Definir os objectivos é já condicionar a avaliação, se queremos que esta seja consequente.

Mas muito da avaliação passa por fazer perguntas, e para isso o manual do National Board of Medical Examiners Constructing Written Test Questions For the Basic and Clinical Sciences é um recurso interessante. Disponível também em espanhol e em russo.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Planear uma unidade curricular. Parte 1- enquadramento

O Processo de Bolonha, de acordo com a interpretação da legislação portuguesa, tem como ideia forte no plano pedagógico
"A transição de um sistema de ensino baseado na ideia da transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências" (DL 74/2006, preâmbulo)
ou, com mais algum pormenor
"uma formação orientada para o desenvolvimento das competências dos estudantes, organizada com base no sistema europeu de transferência e acumulação de créditos (ECTS) e onde as componentes de trabalho experimental ou de projecto, entre outras, e a aquisição de competências transversais devem desempenhar um papel decisivo." (DL 107/2008, art. 66º-A, 1)
A definição do conceito de competência foi feita no projecto Tuning, e pode ser acedida aqui. Basicamente, competências são obtidas ou desenvolvidas pelo estudante durante o processo de aprendizagem. Representam uma combinação dinâmica de conhecimento, compreensão, capacidades e habilidades. São formadas em várias unidades curriculares e avaliadas em vários estádios.
As competências podem distinguir-se em específicas da área de formação e genéricas (ou transferíveis). Estas últimas são as mais relevantes para preparar os estudantes para o seu papel futuro na sociedade em termos de empregabilidade e cidadania. São classificadas em três tipos: 
  • Competências instrumentais: capacidades cognitivas, metodológicas, tecnológicas e linguísticas;
  • Competências interpessoais: capacidades individuais tais como as competências sociais (interacção social e cooperação);
  • Competências sistémicas: capacidades e competências relacionadas com os sistemas na sua totalidade (combinação da compreensão, da sensibilidade e do conhecimento; necessária a aquisição anterior de competências instrumentais e interpessoais).
A legislação adoptou e transcreveu os descritores de Dublin (desenvolvidos pelo Joint Quality Initiative Group) enquanto descritores das competências genéricas esperadas no final de cada um dos ciclos de estudos institucionalizados. Para o primeiro ciclo, dispõe o citado DL 74/2006 no art. 5º (ver também as páginas de Bolonha da DGES):

"O grau de licenciado é conferido aos que demonstrem:
a) Possuir conhecimentos e capacidade de compreensão numa área de formação a um nível que:
i) Sustentando-se nos conhecimentos de nível secundário, os desenvolva e aprofunde;
ii) Se apoie em materiais de ensino de nível avançado e lhes corresponda;
iii) Em alguns dos domínios dessa área, se situe ao nível dos conhecimentos de ponta da mesma;
b) Saber aplicar os conhecimentos e a capacidade de compreensão adquiridos, de forma a evidenciarem uma abordagem profissional ao trabalho desenvolvido na sua área vocacional;
c) Capacidade de resolução de problemas no âmbito da sua área de formação e de construção e fundamentação da sua própria argumentação;
d) Capacidade de recolher, seleccionar e interpretar a informação relevante, particularmente na sua área de formação, que os habilite a fundamentarem as soluções que preconizam e os juízos que emitem, incluindo na análise os aspectos sociais, científicos e éticos relevantes;
e) Competências que lhes permitam comunicar informação, ideias, problemas e soluções, tanto a públicos constituídos por especialistas como por não especialistas;
f) Competências de aprendizagem que lhes permitam uma aprendizagem ao longo da vida com elevado grau de autonomia."

De acordo com a metodologia Tuning, cada unidade curricular deve especificar que competências (genéricas e específicas) pretende desenvolver, dentro daquelas estipuladas para o curso:

O projecto Tuning debruçou-se sobre várias áreas, tendo-se trabalhado ao nível das competências específicas, mas as ciências biológicas não foram incluídas. Felizmente existe alguma orientação na área, na forma dos referenciais desenvolvidos pela QAA para as Ciências Biológicas.

Algum trabalho já feito em Portugal no estabelecimento de perfis de competências inclui os do Gerontólogo ou do Engenheiro.

Estabelecer objectivos de aprendizagem para uma disciplina requer, portanto, uma decisão pessoal do docente. Em que critérios se deve basear?

quinta-feira, novembro 27, 2008

Estudo sobre a implementação de Competências TIC nas escolas portuguesas

Um esplêndido trabalho, coordenado por Fernando Albuquerque Costa.


"O projecto ‘Competências TIC’ é provavelmente o maior desafio do Plano Tecnológico da Educação e pedra angular da estratégia de capacitação dos professores para a inovação das suas práticas pedagógicas com o recurso às tecnologias da informação e da comunicação. Este projecto contempla, por um lado, a criação de um sistema de formação e certificação de competências TIC para professores e não docentes, e, por outro lado, o esforço de reconhecimento, no quadro daquele sistema, das competências TIC de pelo menos 90% dos professores até 2010."

Espero que consigam! E que todo o esforço e as óbvias boas intenções não sejam, como é costume, completamente deturpadas por aqueles que se contentam em mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma:

quinta-feira, novembro 13, 2008

Manuel qualité pour la e-formation dans l'enseignement supérieur

Ce manuel traite essentiellement de l'assurance qualité pour la e-formation dans l'enseignement supérieur. Il est le principal aboutissement de deux années d'étude pour le projet E-xcellence, entrepris sous le parrainage de l'EADTU (European Association of Distance Teaching Universities) impliquant une équipe d'experts de douze institutions européennes concernées par le développement de la e-formation.

terça-feira, outubro 28, 2008

Jiddu Krishnamurti


For Krishnamurti, education is
  1. educating the whole person (all parts of the person),
  2. educating the person as a whole (not as an assemblage of parts), and
  3. educating the person within a whole (as part of society, humanity, nature, etc.) from which it is not meaningful to extract that person.
From the above it probably goes without saying, though it can not be said often enough, education is not about preparation for only a part of life (like work) but is about preparation for the whole of life and the deepest aspects of living.

Merely to stuff the child with a lot of information, making him pass examinations, is the most unintelligent form of education.

In the central concerns of education, which is to do with inner liberation, both the students and the teachers are learners and therefore equal, and this is untouched by functional authority.

The function of education, then, is to help you from childhood not to imitate anybody, but to be yourself all the time.


segunda-feira, outubro 27, 2008

Critical Success Factors and Effective Pedagogy for e-learning in Tertiary Education

This background paper was commissioned by ITPNZ to provide information about effective teaching and learning practices for e-learning in tertiary education, that would assist the wider ITPNZ project to enhance learning outcomes for Mäori e-learners. It complements a separate report analysing 2004 Ministry of Education data on tertiary students and their participation in courses using ICT. What we have aimed to do is to distil the main messages coming from recent thinking on effective teaching and learning, and the main messages coming from recent evidence on the use of e-learning in blended tertiary courses. These show consistencies. These messages are presented in the context of the data on e-learning in New Zealand tertiary institutions, and material related to indigenous learning in overseas countries, and Mäori e-learning. There are three useful examples of the latter; but we found very little material related to indigenous elearning overseas. We conclude with an overview of some issues and challenges related to teaching and learning in tertiary environments.