sexta-feira, junho 16, 2006

Mudam-se os tempos...

Dois recentes documentos provenientes do MCTES devem ser analisados com atenção em função daquilo que revelam das profundas mudanças que se adivinham.

São eles o “Compromisso com a Ciência”, divulgado em Abril passado, e a intervenção de hoje na Assembleia da República.

Pelo seu impacto na Universidade dos Açores, designadamente ao nível do ensino, relevo os pontos abaixo, a que acrescentei alguns comentários.

Do "Compromisso":
  • Apoio aos Cursos de Especialização Tecnológica criados na sequência do seu novo enquadramento legislativo(...)
  • Determinar-se-á o cancelamento do financiamento de pólos de Ensino Superior abaixo de limiares mínimos, a fixar por avaliações independentes.
    • Está na hora de (mais uma vez? finalmente?) repensar a tripolaridade, em conjunto com todas as entidades interessadas.
  • Não serão financiados, salvo as excepções previstas, todos os cursos superiores de licenciatura com número de alunos em primeira inscrição inferior a 20.
    • Vai finalmente acabar a proliferação de cursos com nomes "giros", a hipoteca do futuro dos nossos jovens em função dos interesses de curto prazo do "establishment" universitário?
  • A integração de escolas politécnicas em Universidades (com integral manutenção do respectivo estatuto e missão), assim como a integração, total ou parcial, de escolas universitárias entre si(...)
    • Aqui parece-me que estamos no bom caminho. Haja visão no MCTES para permitir autonomizar as ESTAs, de modo a separar claramente os dois sub-sistemas no interior de um mesmo campus.
  • Revisão do número de horas de aulas dos alunos nos currículos escolares, hoje frequentemente muito superior aos padrões de referência internacionais.
    • Concordo absolutamente, desde que enquadrado num contexto de responsabilização do estudante, de utilização construtiva do tempo.
  • Maior integração de estudantes de licenciatura e mestrado, como jovens investigadores, em projectos de I&D.
    • Numa perspectiva mais alargada: é essencial a integração dos estudantes na sociedade, o que implica que as próprias actividades lectivas sejam desenhadas nesse sentido.
  • Gestão diferenciada do tempo lectivo de cada docente, em função da sua actividade de investigação.
    • Bolonha vai acarretar modificações também na forma de contabilizar a actividade lectiva que não se esgotam na respectiva articulação com a investigação. Estou a pensar nas tarefas de gestão e administração, ou nas prestações de serviços. Como em muitas outras coisas, a solução tem que passar pela autonomia das instituições, e pela assunção de critérios claros e consensuais na distribuição do serviço docente.
Da intervenção:
  • a densidade de trabalho conjunto entre instituições de ensino, investigação e empresas, (...) o recurso sistemático a conhecimento cientifico organizado para apoio à decisão, são alguns dos aspectos em que se exprime a prioridade nacional ao conhecimento e às qualificações que por certo a todos nos une.
    • E aqui não posso deixar de lamentar a nossa tendência a trabalhar isolados, as secções fechadas umas para as outras, os departamentos sem comunicar, as universidades espreitando-se por cima dos muros e olhando de cima para baixo o resto da sociedade.
    • Também lamento o corporativismo dos nossos mecanismos de decisão, o voto de braço no ar a sufocar tanta vez os mais bem estruturados esforços de racionalidade e as mais bem fundamentadas propostas de mudança.

  • Será tornada obrigatória a recolha e divulgação de informação sobre o emprego dos diplomados de cada instituição de Ensino Superior nos últimos anos.
    • Pode ser que a autoridade consiga fazer o que o bom senso já desistiu de tentar mas que a integridade profissional continua a lamentar que não se faça...
  • Será racionalizada a oferta de cursos no Ensino Superior, através de um processo participado pelas próprias instituições mas também por outras entidades relevantes da vida económica e social (...)
    • Não é evidente que, se a Universidade pretende desempenhar um papel social, deve auscultar a própria sociedade, desde logo na formação que oferece?

  • (...) promoveremos o debate público sobre a reforma dos modelos jurídico e organizativo das instituições de ensino superior (...) Considero, em particular, que o actual modelo das Universidades públicas, inseridas como estão na administração do Estado, já não serve o País (...)
    • Talvez sim, talvez não. Não tenho uma posição firmada sobre o assunto. Mas sei de muitas coisas que estão mal, e encaro sempre com optimismo oportunidades de quebrar o status quo.
Termino numa nota positiva, contrária ao tom do soneto que dá o título a este texto: o Decreto-Lei 74/2006 deu-me a primeira indicação de que Mariano Gago está disposto a usar o poder de que dispõe no sentido de provocar profundas mudanças no panorama do ensino superior português. Essa indicação veio da inclusão na letra da lei dos descritores de Dublin. Uma clara violação, penso eu, da autonomia pedagógica universitária, mas que veio colocar a questão do ensino por competências no topo das prioridades. Mesmo que apenas no plano formal, todos os que estiveram ou estão envolvidos na adequação dos cursos tiveram que se preocupar com isto. As medidas mais recentes confirmam esta indicação.

Está criado o clima favorável à mudança, numa altura em que existem os instrumentos e o conhecimento para a fazer de forma adequada e responsável. Que os utopistas entorpecidos saibam aproveitar a oportunidade.

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